Nenhuma moeda é inocente. Moedas são objetos fruto de uma
sociedade, das relações sociais dessa sociedade, dos seus constrangimentos ecológicos
e políticos. Moedas revelam.
Leio a dissertação de Mestrado do
professor Alexander Trettin. O autor a defendeu recentemente, em 2010, na
Universidade Federal da Bahia. Chama-se O Derrame de
Moedas Falsas de Cobre na Bahia (1823-29)[i].
Esse trabalho me ajudou a entender algumas moedas de cobre do Primeiro Reinado de
minha coleção.
A primeira moeda é de 20 réis, de
1827, cuja letra “R” depois da data (“letra monetária”) prova que a Casa da
Moeda do Rio de Janeiro a cunhou; a segunda é de 40 réis, de 1826, com a mesma
letra; a terceira, 80 réis, de 1828, idem. A quarta, de 40 réis, de 1830,
coloquei-a porque é a única cunhada na Casa da Moeda da Bahia (a letra “B” o
indica).
Como os livros de história para
crianças sempre dizem, entre os méritos de Dom João VI esteve a fundação do
Banco do Brasil. O que eles não dizem é que esse Banco emitia papel-moeda com
lastro em ouro ou prata, ou seja, o proprietário da cédula poderia receber esse
metal no Banco. Nem dizem que quando Dom João VI e sua turma voltaram para
Portugal em 26 de fevereiro de 1821, eles raparam os cofres do Banco de todo
metal que ali havia. E ainda ficaram cédulas circulando pelo país, sem ouro ou
prata que a lastreassem. Quando essa situação ficou conhecida, o valor das
cédulas despencou.
Havia os gastos do aparato
burocrático criado por Dom João no Rio, e a arrecadação das províncias não
chegava aos cofres do governo do Príncipe. Mas havia pior ainda.
Dom João VI assinara acordos com
a Inglaterra pelos quais limitara a cobrança de imposto de importação a 15%[ii].
Aos poucos essa porcentagem se foi generalizando a todos os outros países. Em
um país pobre, a fonte maior e quase única de impostos é o imposto de
importação. É um imposto barato. Os portos são poucos. Bastam alguns funcionários
e uma guarda militar em cada porto e pronto. Não precisa do pesadíssimo aparato
exigido por um imposto de renda, por exemplo.
Claro, também há o imposto de
exportação. Mas taxar a exportação significa encarecê-la – e todo país quer
exportar. Assim, o imposto por excelência era o de importação. Este estava
amarrado por um tratado com a Inglaterra, e descumprir tratados com a
Inglaterra, na época, significava pedir um bombardeio naval.
Restava uma saída: emitir
dinheiro, e o príncipe fez isso. O estudo de Trettin mostra que o estoque de
papel-moeda (cédulas) dobrou em apenas quatro anos, entre 1823 e 1827.
Mas o que está ruim sempre pode
ficar pior. O governo de Dom Pedro estava fazendo um esforço para se reequilibrar.
Em 1826 conseguiu resgatar (trocar por metal) uma parte do papel-moeda em circulação.
Até que nesse ano aconteceu outro desastre – a província mais ao sul do Império
se revoltou, ajudada pela Argentina. Era a chamada guerra da Cisplatina.
Com os gastos da guerra qualquer pretensão
de economizar foi para o espaço. Sem ouro nem prata, sem poder aumentar
impostos, pressionado pela guerra, com o papel-moeda com valor em queda livre, Dom
Pedro I só tinha uma saída: cunhar mais e mais moedas de cobre. Os catálogos de
moedas o confirmam. Em 1826 a Casa da Moeda do Rio cunhou quinhentas mil moedas
de 80 réis. No ano seguinte, cunhou seis milhões. No outro ano, cunhou vinte e
seis milhões. A minha moeda de 80 réis é uma dessas 26 milhões[iii]
dessa explosão das moedinhas que impediram a falência do jovem país.
Claro que não sem custo. Isso
levou a uma inflação galopante que, em termos numismáticos, forçou uma
renovação do meio circulante do país na década seguinte e, em termos políticos,
foi muito pior. Celso Furtado lembra que a inflação pouco atingia os proprietários
de terras, pois suas necessidades eram em grande parte supridas pelo trabalho gratuito
dos escravos. A inflação atingia o pessoalzinho das cidades – funcionários,
militares, sapateiros. Revoltados, confundiam as causas. Para eles, os culpados
eram os comerciantes a varejo, quase todos portugueses. Daí uma série de
revoltas que houve contra os portugueses (“marinheiros”) considerados exploradores
do povo. Como exemplo, em uma dessas revoltas, a Rusga de Cuiabá, portugueses
foram massacrados na noite de 30 de maio de 1834.
E as moedinhas que fizeram parte
de todo esses drama ainda estão por aí, em coleções. Moedas falam. E tornam as
coleções mais interessantes.
[Este artigo pode ser copiado em meio eletrônico ou
impresso, desde que sem finalidades econômicas e desde que citada a fonte].
[i]
Trettin, Alexander. O Derrame de Moedas Falsas de Cobre na Bahia. Disponível em
<http://www.ppgh.ufba.br/IMG/pdf/TRETTIN_ALEXANDER_DMFCB.pdf>. Acesso em
30 dez. 2012.
[ii]
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000.
(Grandes nomes do pensamento brasileiro). 276p. p101.
[iii]
AMATO, Cláudio, et alii. Livro das Moedas do Brasil: 1643 até 2012. 13ª ed. São
Paulo: ed. dos autores, 2012.432p. p285.
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