O cineasta polonês Andrei Wajda década atrás filmou a
história de uma jovem que procurava um tema para um documentário. Em um porão
mal iluminado encontrou a estátua de um jovem. Curiosa, procurou saber a
história dele e descobriu que ele fora um trabalhador, um pequeno grande herói
esquecido que ajudara a recuperar o país no Pós-Guerra. O Filme se chama O Homem de Mármore.
Lembrei disso enquanto pesquisava o por quê de quatro selos
que comprei no leilão da Sociedade Numismática e Filatélica Cearense. São
quatro peças do mesmo desenho, variando apenas as cores em bicromia,
comemorando o dia da criança de 1935. Representam a Pedra da Gávea, no Rio de
Janeiro, vista de outro morro, com palmeiras em primeiro plano e uma moldura
lembrando o art-déco da arquitetura
da época. Registra-se a data: 12 de outubro de 1935.
O enigma
Nada lembra crianças nesse selo.
O filatelista Reinaldo Jacob em artigo
no portal da Sociedade Phitatelica Paulista[i]
resolveu o enigma. Uma criança desenhou este selo. Victor José de Lima, de
treze anos, venceu um concurso de desenho entre crianças promovido pelo “O
Jornal” e pelo Club Philatelico do Brasil. Desenhou a bico de pena com talento,
classe. Foi o primeiro selo desenhado por criança, assegura o filatelista.
O Por Quê
Acostumamo-nos com o doze de outubro. Mas por que ele é o
dia da criança? A resposta me trouxe pedaços esquecidos, assim como à jovem
cineasta lá do polonês.
Nada a ver com o dia de Nossa Senhora Aparecida.
O dia da criança, como tal, não existe. Existe a Festa da Criança, criada pelo Decreto
n. 4.867, de 05/11/1924, assinado pelo Presidente Arthur Bernardes onze
anos antes do selo, e que determinava o dia 12 de outubro para tal Festa.
O deputado federal Galdino
do Valle Filho foi o autor da proposta que resultou no decreto acima.
Pessoa interessante esse Galdino, filho de Nova Friburgo (RJ). Escreveu o hoje
quase inachável livro Lendas e Legendas
de Friburgo. Tudo indica que o homem realmente se interessava pela
meninada.
O Segundo Por Quê
De um problema para outro. Por que Galdino escolhera
exatamente esse dia?
A pesquisa revelou outro homem
de mármore, outro semiesquecido que eu só conhecia por ser nome de uma
ruela que cruza com a Avenida Rio Branco no Rio. O médico Carlos Artur Moncorvo
Filho tinha uma obsessão[ii]
rara na época em que autoridades e baixoridades não podiam se importar menos
com crianças, especialmente as pobres. Dedicou-se à saúde pública infantil.
Com vinte e oito anos, em 1899, fundou um Instituto privado
de proteção e assistência à infância. Com quarenta e oito transforma esse
instituto no Departamento da Criança no Brasil, o qual, pasme-se, e apesar do
nome, não era governamental. Sua grande luta foi fazer com que a saúde das
crianças deixasse de ser uma preocupação de médicos com fama de santo e
senhoras boazinhas para ser um problema do Estado.
Não se tratava de uma preocupação exclusiva. Buenos Aires
sediou o Primeiro Congresso Americano da Criança, em 1916[iii].
E doutor Moncorvo batalhou e, aproveitando a Exposição do Centenário da
Independência em 1922, conseguiu trazer o Terceiro Congresso Americano da
Criança para o Rio. Junto com ele realizou-se o Congresso Brasileiro de
Proteção à Infância. Ambos aconteceram de 27 de agosto a 5 de setembro de 1922[iv].
No seu encerramento escreveram apelo aos governantes dos
países da América para estabelecer o 12
de Outubro como Dia da Criança, por ser o dia da descoberta da América[v].
Resolvido portanto o enigma: comemoramos o Dia da Criança a
doze de outubro porque neste dia Colombo descobriu a América; um distante
congresso pediátrico resolveu adotar esse dia, e um hoje esquecido deputado do
interior oficializou a data.
Um último enigma,
incompleto
O talentoso garoto Victor José de Lima desenhou o selo. Que fez do mundo, que o mundo fez dele? Uma resposta talvez venha da Internet. A Wikipedia revela que um Victor Lima nasceu em 1920 no Rio. A data de nascimento é mais ou menos coerente com a idade do desenhista do selo. Outro site se refere a esse diretor e roteirista das chanchadas do cinema brasileiro como Victor José Lima, o qual dirigiu os famosos atores Oscarito, Ankito e Costinha. Esse nome que fez história na sétima arte faleceu em 1981. Seria o mesmo menino do dia da criança? Fica o último enigma.
[i]
Jacob, Reinaldo. Selo do Dia da Criança - 1935. Disponível em <http://www.sppaulista.com.br/newsdesk_info.php?newsPath=6&newsdesk_id=42>.
Acesso em 12 Jan. 2013.
[ii]
Parada, Maurício, e Medeiros, Helber. Puericultura e Políticas Públicas de
Assistência à Maternidade e à Infância (1930-45). Disponível em < http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276659996_ARQUIVO_ANPUHRJPuericulturaepoliticaspublicasdeassistenciaamaternidadeeainfancia_1930-1945_.pdf>.
Acesso em 13 Jan 2013.
[iii]
Souza, Rosângela. A Celebração da Infância. Disponível em <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo04/Rosangela%20Ferreira%20de%20Souza%20-%20Texto.pdf>.
Acesso em 13 Jan 2013.
[iv]
Kuhlmann, Moysés. Ideias sobre a Educação da Infância no 10 Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância, Rio de Janeiro, 1922. Disponível em < http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema7/0749.pdf>.
Acesso em 13 jan 2013.
[v]
Parada, Maurício, e Medeiros, Helber.(...)
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