São
considerados como locais os selos cuja área de validade e circulação é
restrita, dentro de um país. Eles podem ser tanto privados, quando emitidos por
entidades (empresas) não governamentais transportadoras de correspondência,
como governamentais, quando emitidos por uma autoridade postal constituída.
Houve um número considerável de emissões locais, de diferentes países, que
precederam várias daquelas oficiais, de emissão governamental e de circulação
irrestrita. Entretanto, pelo caráter privado e/ou de circulação restrita, as
emissões locais são consideradas à parte, não influenciando na ordenação das
emissões oficiais. As emissões locais são, em geral, bem menos conhecidas pelos
filatelistas do que as emissões oficiais.
No
caso do Brasil, houve várias emissões que não foram feitas pelo Correio
Brasileiro nem por entidades governamentais brasileiras, mas emitidas por
países constituídos ou não em território brasileiro ou em áreas contestadas que
vieram posteriormente fazer parte do Território brasileiro e por conseguinte,
os selos foram adotados como brasileiros, é o caso da República Independente da
Guiana (Counani), da empresa Carsevéne (Firmine - Amazonie), o Estado
Independente do Acre, o Principado de Trindade e os selos SCADTA que
propriamente não fazem parte desta relação mas foram feitos em outro país e
receberam uma sobrecarga para serem usados na correspondência transportada pela
empresa e originada no Brasil.
República
Independente da Guiana (Território de Counani)
Em meados do
século XIX, no tempo
da Cabanagem, as
terras localizadas entre os rios Araguari e Oiapoque, eram consideradas terras
de ninguém. Depois de várias ocupações de tropas portuguesas e francesas, os franceses construíram uma
fortificação nas imediações de Amapá, mais precisamente numa localidade banhada
pelo lago Ramudo Essa guarnição francesa foi descoberta pelo capitão Harris
que, imediatamente comunicou o fato ao governo imperial do Brasil. Assumindo o
Segundo Império, D. Pedro II resolveu, com o seu colega de França, Napoleão
III, neutralizar a região disputada pelos dois países em 5 de julho de
1841, nomeando o Presidente da Confederação Helvética como árbitro da
questão. Assim, a área passou a se chamar Contestado
Franco-Brasileiro, com um representante no Brasil morando em Belém, e outro da
França morando em Caiena. O local-sede do contestado era então a vila do
Espírito Santo do Amapá.
A
situação econômica da Guiana, que nunca fora boa, era péssima desde a abolição
da escravatura, em 1848, por Napoleão III.
No Aprouague, no Sul da Guiana, o antigo sonho do ouro, que havia
perseguido os guianenses desde os primeiros tempos, obcecava alguns. Félix Coüy um comerciante e funcionário local
interessado conseguiu a ajuda do brasileiro Miguel Vicente. Este último buscou o patrocínio e ajuda de um
comerciante português no Pará, Jardim de Lisboa. Surge assim Paulino, um dos empregados de
Lisboa que havia trabalhado em Ouro Preto.
Em 1854, Paulino descobre, no riacho Aprouague o primeiro ponto
economicamente interessante. No ano
seguinte, ele mostrou as primeiras 60 gramas de ouro que encontrou, a um antigo
cônsul da França no Pará, Prosper Chaton.
Foi anarquicamente, sem ter quem bancasse
grandes investimentos, que começou a exploração. Só aos poucos as primeiras companhias com
investimento europeu começaram a surgir.
Começaram também as primeiras imigrações de hindus, já presentes na
Guiana Inglesa. Só na década de 1860 a
situação se reverte, começa a entrar muito dinheiro em Caiena. Félix Coüy foi assassinado em 1863 por um brasileiro,
Paiva, logo condenado à morte e executado.
Paulino continuou algum
tempo como o personagem decisivo na busca do ouro. Mas logo foi substituído por pessoas com
maior experiência e conhecimentos técnicos.
Com a época das empresas não se em mais noticias suas.
Em 1885, um grupo de aventureiros
franceses proclamou a caricata República de Counani, que se estendia do
Oiapoque até o Araguary, exatamente na região contestada pela França. Esses
homens elegeram presidente vitalício do Estado, o cientista francês Jules Gros,
romancista e membro da Sociedade de Geografia Comercial de Paris, que vivia no sul
de Paris. Instalando-se com um aparato
caricato, Gros dedicou-se a encontrar apoio politico e principalmente apoio
financeiro. Nomeou um Ministério, com Jean-Férreol
Guigues como presidente do Conselho e Paul Quartier como Ministro de Obras
Públicas. Instituiu títulos honoríficos, muito valorizados e abertamente
vendidos. Emitiu moeda, cédulas e selos.
Editou um diário oficial Les Nouvelles de France et des Colonies, Journal
Officiel de la République “La Guyane Indépendante” e criou as armas e
bandeira de Counani.. Mas
aquilo que poderia se consolidar numa República Independente malogrou perante
as deficiências geográficas e jurídicas. A aventura teve duração efêmera embora
Gros houvesse constituído o governo, criando a Ordem da Cavalaria Estrela de
Counani, para condecorar os simpáticos à causa, o que rendeu bons proventos
financeiros pela larga e bem paga concessão que dela fez o esperto "chefe
de Estado". Enfim, eles providenciaram tudo para que o mundo reconhecesse
o novo país incrustado no meio equatorial e se expôs ao ridículo.
Pelo lado francês, em 1886 é nomeado, um negro
de meia-idade, baixo e de boa musculatura, chamado Trajano Supriano Benitez,
escravo fugitivo de Cametá (no Pará) que ali chegou para aventurar a sorte,
atraído pelas notícias que propagavam a fartura de ouro no Calçoene. Trajano
deve ter preferido morar no Counani porque a maioria da população era negra.
Ele começou, então, a se meter em assuntos que envolviam a vida comunitária,
mostrando logo sua vocação política. O governo francês estava precisando de um
indivíduo popular e simpático às pretenções francesas, e Trajano era tudo isso.
Não demorou muito estava ele liderando quase toda a extensão das ribanceiras do
Counani, contestando abertamente a autoridade brasileira que governava a vila
do Espírito Santo do Amapá e lugares próximos. Recebeu
de Caiena o título de Representant dês Intérets Français à Counani e aí é que
se encheu de dedos.
Em 23 de outubro
de 1886 (ou segundo Coudreau, em agosto), o então capitão de Counani, Trajano
Benitez proclamou: “Eu Trajano, capitão chefe do rio Counani, Chefe da
Capitania da Guiana Independente, em nome e delegado pelos principais negociantes
e pela maioria dos habitantes declaro o que segue: 1) Organizar no nosso País
um governo que será República e reconhecido depois pelas duas potencias, a
França e o Brasil. 2) O governo em questão já tendo sido declarado e proclamado
em mais de 10 reuniões públicas as quais assistiu o Sr. Jean-Férreol Guigues,
explorador. Segue-se que queremos: A) nos reger pelas leis francesas, quer
dizer que adotamos o código francês como legislação de nosso país. B) que a
língua francesa seja a língua governamental. C)... nosso presidente, o Dr.
Jules Gros... Nossa república tenha sido declarada... pedimos a proteção dos
Estados vizinhos. Viva a França. Viva a República da Guiana Independente...”.
O governo francês, ante o
escândalo que representava tal façanha, em 2 de setembro de 1887 resolveu
acabar com ela. A República do Counani era tão caricata, tão de brincadeira,
que a maioria dos ministros nomeados por Jules Gross não arredou os pés de
Paris, até por causa do pavor irradiado por algumas paragens sul-americanas, como
a nossa. Portanto, não foi difícil desestabilizá-la.
(continua)
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