Paulo Avelino
Mostra um prédio contra um fundo verde,
cercado por aura branca. De um lado a data (1963), do outro o valor (dois e
meio centavos sul-africanos). Nos cantos de cima se posiciona o nome do Estado
emissor, a República da África do Sul, em duas línguas, inglês e africâner. Sóbrio, é dominado pelo nome Transkei, em
geral desconhecido pelas gerações mais novas. E que encerra uma história de discriminação.
O Transkei estava destinado a ser um país
nominalmente independente e naquele ano de 1963 se tornara região autônoma
dentro do país-mãe, a África do Sul. O selo comemorava esse fato. Treze anos
depois o Transkei adquiria sua independência.
Só que era tudo uma farsa. Que se encontrava em plano desde anos antes.
Em 1948 o Partido Nacional voltou ao poder em eleições na África do Sul. Fanaticamente
racista, aprofundou e criou um arsenal jurídico para a separação entre as raças
e supremacia dos brancos do país. Estabeleceu leis proibindo casamentos entre
pessoas de raças diferentes e obrigando a população a se registrar oficialmente
de acordo com a raça. Parques, ônibus, hospitais, escolas e até bancos de praça
passaram a ter avisos “só para brancos”. Era a política da segregação social
radical, que passaria a ser conhecida pela palavra Apartheid.
O passo seguinte tentou separar as raças em regiões dentro do país.
Para tanto dever-se-iam criar países, recortados do território da República.
Esses países seriam destinados cada um a uma etnia. Transkei seria do povo xhosa,
ao qual pertenceria Nelson Mandela. Esses países seriam conhecidos pelo nome de
bantustões, hoje um qualificativo para independências falsas.
Pois os bantustões consistiam em formas de segregar o povo negro em
certos territórios e tirar deles os direitos na África do Sul (pois lá eram
oficialmente estrangeiros). Só que a pobre economia dos bantustões obrigava a
população a trabalhar na África do Sul, enfrentando controles de fronteira e
outras restrições. No caso do povo de Transkei, trabalhavam em minas no
teoricamente país vizinho. Nenhum país do mundo jamais reconheceu a
independência dos bantustões – só a África do Sul. Essas regiões autônomas, e
depois denominados países, nunca tiveram autonomia real, não passando de
marionetes dependentes da República Sul-Africana, apesar de uma ou outra
rebeldia de algum dirigente.
A existência fictícia de Transkei e dos outros bantustões cessou em
1994, com o fim do regime de segregação racial, e não consta nenhum selo a
marcar o seu fim, como esse pretendeu celebrar seu começo.
O selo retrata o parlamento de Transkei. Que
se situava no edifício Bunga, construído décadas antes. Hoje tal prédio é o
Museu Nacional Nelson Mandela. Uma construção que simbolizava a segregação
entre raças hoje homenageia alguém cuja vida consistiu em construir a igualdade
entre elas. Mais que boa ironia, pode ser um sinal de que a sociedade para
mudar para melhor – desde que haja vontade para tanto.
Muito bom amigo Paulo. Abraço
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