sábado, 5 de dezembro de 2020

Relutante Final: os selos de 1956 da África Equatorial Francesa

 Paulo Avelino

silva@paulo.avelino.nom.br

 Selos afirmam um poder. Mais especificamente, afirmam o Poder do Estado. A hiper-comercialização da filatelia gerou os selos privados personalizados por encomenda e também os selos feitos na prática apenas para venda para colecionadores temáticos. Isso complicou o quadro. Mas na época que vemos neste artigo selos eram essencialmente um artefato estatal.

Durante o Século XIX os Estados europeus mais ricos destruíram a organização política da África e criaram outra, a dividir o continente em colônias. De tantas colônias que tinha, a França juntou algumas em unidades maiores. Em 1910 reuniu as colônias do Gabão, Congo (francês), a atual República Centro-Africana e o Chade em uma federação, a África Equatorial Francesa.


Anos depois a dita Federação, o Colonialismo em si e a própria República Francesa batiam pino. Em parte pela mudança das circunstâncias. As guerras autofágicas da Europa em 1914-18 e 1939-45 desnudaram as fragilidades do continente europeu. Não por coincidência logo depois da Segunda Guerra a França criou o Fundo de Investimento para o Desenvolvimento Econômico e Social, o FIDES (em 1946). Especializado em investimentos nas colônias, rebatizadas sob o nome de Territórios de Ultramar. Pouco adiantou. Os movimentos nacionalistas africanos se tornaram cada vez mais fortes.

Em 1956 a África Equatorial Francesa lançou uma série de selos, dos quais escolhemos dois. O selo de 10 francos e o de 200 francos deixam bem claro a quem pertence o Poder, através da sigla RF (République Française) e da silhueta do território francês no selo de menor valor.

O tema dos dois selos é o desenvolvimento. O selo de dez francos exalta a produção de algodão no Chade. É selo visualmente bem trabalhado, marcado por dois homens africanos atléticos nas laterais, o que orienta o olhar em diagonal descendente da esquerda para a direita a passar por plantações, a casa sede dessas plantações e uma flor de algodão. Ao longe, em solução pictórica típica da Renascença, uma ponte e um rio, no mínimo curiosos pois o Chade não possui grandes rios. Em contradiagonal, trabalhadores em fila depositam o algodão em uma pilha. E a sigla da organização que alegadamente tornara tudo possível, o FIDES.


O selo de 200 Francos figura um trabalhador em primeiro plano. Lembra certos selos de países socialistas na mesma época: no volante de uma máquina do progresso (o trator) o homem do presente mira resolutamente o Futuro. E em segundo plano (como que em um sonho do homem) aparece o Futuro – uma mistura de plantações muito próximas de fábricas entremeadas de postes de alta tensão e sobrevoadas por aviões.

A mensagem é clara – o colonialismo é necessário para ensinar aos povos da região como aproveitar suas riquezas para seu próprio bem.

Pouco adiantou. A África Equatorial Francesa se dissolveu em 1958 e depois cada um dos seus territórios se tornou país independente. Ficaram os selos, como sempre, os testemunhos de um poder e de uma época.

Um comentário: