domingo, 29 de junho de 2014

A diluição da agenda: os selos da Nova República (1985-2010) – II/II

Paulo Avelino

A produção de selos da Nova República trouxe novos temas para a pauta filatélica, os quais antes se encontravam proscritos no todo ou em parte. Se entendermos os selos como cartões de visita do Estado, podemos perceber na época um esforço para o poder estatal se reformular, buscando uma nova relação com a sociedade.



Personalidades até então proscritas

O novo poder civil lançou selos homenageando pessoas que, por seu papel político e cultural, tinham sido ignoradas pela Ditadura Militar. Logo no segundo ano do novo regime este emitiu o selo Homenagem ao Presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) (8/1986), prócer do regime político derrubado pela ditadura e marginalizado por esta.

No mesmo ano os Correios celebraram um intelectual contestador típico dos anos 1960, lançando o selo Homenagem a Glauber Rocha, Cineasta (1939-1981) (11/1986). O Estado sempre homenageara artistas com selos, mas nunca aqueles com uma postura anticonvencional na política e na estética, caso do artista baiano.



Presença de entidades e movimentos

A Nova República celebrou movimentos organizados que, em princípio, contestavam o status quo. É curiosa tal nova postura do poder: em vez da defesa fechada da sociedade atual, o poder, apesar de poder, se arvorou como aliado de atores que queriam mudar a sociedade. Isso ocorreu tanto quanto a atores atuais como através da homenagem a tais movimentos no passado. Na filatelia, isso ocasionou o lançamento do selo 15 anos do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (7/2000) e também do Centenário do Fim da Guerra dos Canudos (9/1997).

Atividades pouco convencionais

A Nova República reformulou o conceito de homenagem aos esportes, deslocando-se da tradicional escolha de esportistas vencedores de competições internacionais para incluir também modalidades pouco ortodoxas. Sintomática é a série Esportes Radicais (6 a 8/2000) que celebrou o Alpinismo, a Asa Delta, o Skate e o Surf. Com exceção do primeiro, trata-se de esportes praticados especialmente por adolescentes de perfil em geral pouco condizente com a postura rígida que o Estado até então preconizara a seus heróis.

Presença pequena da Economia

A política econômica também se fez marcada. O selo 1º Aniversário do Real (7/1995) e o Mercosul (7/1997) celebraram iniciativas neste campo. Trata-se porém de uma presença discreta em relação ao período de 1955 a 1985.

Conclusão

Os paradigmas da produção filatélica da Nova República mudaram

muito em relação aos da Ditadura Militar. Valorizaram-se temas, autoridades e movimentos sociais até então ignorados ou proscritos.

A estratégia econômica quedou menos evidente na filatelia. Como se o novo poder não quisesse homenagear nos selos a ação estatal no rumo do desenvolvimento. Claro, uma das possíveis explicações para isso é que tal ação não existia, substituída pelas esperanças de que o mercado funcionasse por si mesmo. Homenagens filatélicas não aconteceram, pela razão de que não haveria mesmo o que homenagear.




Bibliografia:

CERVO, Amado Luiz, e BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 3ª ed. ampliada. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. 559p. p457-462.

SOUZA, Helder Cyrelli de. Os Cartões de Visita do Estado: a emissão de selos postais e a Ditadura Militar Brasileira. Disponível em <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/15006>. Acesso em 29 jun 2014.