domingo, 27 de dezembro de 2015

OS SELOS LOCAIS BRASILEIROS POR ADOÇÃO - I

Artigo de  Carlos Alberto Tavares Coutinho

São considerados como locais os selos cuja área de validade e circulação é restrita, dentro de um país. Eles podem ser tanto privados, quando emitidos por entidades (empresas) não governamentais transportadoras de correspondência, como governamentais, quando emitidos por uma autoridade postal constituída. Houve um número considerável de emissões locais, de diferentes países, que precederam várias daquelas oficiais, de emissão governamental e de circulação irrestrita. Entretanto, pelo caráter privado e/ou de circulação restrita, as emissões locais são consideradas à parte, não influenciando na ordenação das emissões oficiais. As emissões locais são, em geral, bem menos conhecidas pelos filatelistas do que as emissões oficiais.

No caso do Brasil, houve várias emissões que não foram feitas pelo Correio Brasileiro nem por entidades governamentais brasileiras, mas emitidas por países constituídos ou não em território brasileiro ou em áreas contestadas que vieram posteriormente fazer parte do Território brasileiro e por conseguinte, os selos foram adotados como brasileiros, é o caso da República Independente da Guiana (Counani), da empresa Carsevéne (Firmine - Amazonie), o Estado Independente do Acre, o Principado de Trindade e os selos SCADTA que propriamente não fazem parte desta relação mas foram feitos em outro país e receberam uma sobrecarga para serem usados na correspondência transportada pela empresa e originada no Brasil.

República Independente da Guiana (Território de Counani)

Em meados do século XIX, no tempo da Cabanagem, as terras localizadas entre os rios Araguari e Oiapoque, eram consideradas terras de ninguém. Depois de várias ocupações de tropas portuguesas e francesas, os franceses construíram uma fortificação nas imediações de Amapá, mais precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo Essa guarnição francesa foi descoberta pelo capitão Harris que, imediatamente comunicou o fato ao governo imperial do Brasil. Assumindo o Segundo Império, D. Pedro II resolveu, com o seu colega de França, Napoleão III, neutralizar a região disputada pelos dois países em 5 de julho de 1841, nomeando o Presidente da Confederação Helvética como árbitro da questão.  Assim, a área passou a se chamar Contestado Franco-Brasileiro, com um representante no Brasil morando em Belém, e outro da França morando em Caiena. O local-sede do contestado era então a vila do Espírito Santo do Amapá.
A situação econômica da Guiana, que nunca fora boa, era péssima desde a abolição da escravatura, em 1848, por Napoleão III.  No Aprouague, no Sul da Guiana, o antigo sonho do ouro, que havia perseguido os guianenses desde os primeiros tempos, obcecava alguns.  Félix Coüy um comerciante e funcionário local interessado conseguiu a ajuda do brasileiro Miguel Vicente.  Este último buscou o patrocínio e ajuda de um comerciante português no Pará, Jardim de Lisboa.  Surge assim Paulino, um dos empregados de Lisboa que havia trabalhado em Ouro Preto.  Em 1854, Paulino descobre, no riacho Aprouague o primeiro ponto economicamente interessante.  No ano seguinte, ele mostrou as primeiras 60 gramas de ouro que encontrou, a um antigo cônsul da França no Pará, Prosper Chaton.
Foi anarquicamente, sem ter quem bancasse grandes investimentos, que começou a exploração.  Só aos poucos as primeiras companhias com investimento europeu começaram a surgir.  Começaram também as primeiras imigrações de hindus, já presentes na Guiana Inglesa.  Só na década de 1860 a situação se reverte, começa a entrar muito dinheiro em Caiena.  Félix Coüy foi assassinado em 1863 por um brasileiro, Paiva, logo condenado à morte e executado.  Paulino continuou algum tempo como o personagem decisivo na busca do ouro.  Mas logo foi substituído por pessoas com maior experiência e conhecimentos técnicos.  Com a época das empresas não se em mais noticias suas.

 A busca do ouro se concentrava no Aprouague, mas se estendia aos rios próximos.  Era a serra que continha o ouro.  Muitos garimpeiros se instalaram no território contestado.  Prosper Chaton fizera renascer a localidade de Counani desde 1858, tornando-a uma base para garimpeiros.  Aí criou um sistema de capitania, constituído por um primeiro e um segundo capitães e um brigadeiro.  Esta instituição se estendeu à pequena Amapá.  Não havia uma formalização de estrutura de governo.  A autoridade que se esperava que viesse do governo francês, no entanto não a exercia, nem podia exercer, em razão do estado de neutralidade do território.
Em 1885, um grupo de aventureiros franceses proclamou a caricata República de Counani, que se estendia do Oiapoque até o Araguary, exatamente na região contestada pela França. Esses homens elegeram presidente vitalício do Estado, o cientista francês Jules Gros, romancista e membro da Sociedade de Geografia Comercial de Paris, que vivia no sul de Paris.  Instalando-se com um aparato caricato, Gros dedicou-se a encontrar apoio politico e principalmente apoio financeiro.  Nomeou um Ministério, com Jean-Férreol Guigues como presidente do Conselho e Paul Quartier como Ministro de Obras Públicas. Instituiu títulos honoríficos, muito valorizados e abertamente vendidos.  Emitiu moeda, cédulas e selos. Editou um diário oficial Les Nouvelles de France et des Colonies, Journal Officiel de la République “La Guyane Indépendante” e criou as armas e bandeira de Counani.. Mas aquilo que poderia se consolidar numa República Independente malogrou perante as deficiências geográficas e jurídicas. A aventura teve duração efêmera embora Gros houvesse constituído o governo, criando a Ordem da Cavalaria Estrela de Counani, para condecorar os simpáticos à causa, o que rendeu bons proventos financeiros pela larga e bem paga concessão que dela fez o esperto "chefe de Estado". Enfim, eles providenciaram tudo para que o mundo reconhecesse o novo país incrustado no meio equatorial e se expôs ao ridículo. 
Pelo lado francês, em 1886 é nomeado, um negro de meia-idade, baixo e de boa musculatura, chamado Trajano Supriano Benitez, escravo fugitivo de Cametá (no Pará) que ali chegou para aventurar a sorte, atraído pelas notícias que propagavam a fartura de ouro no Calçoene. Trajano deve ter preferido morar no Counani porque a maioria da população era negra. Ele começou, então, a se meter em assuntos que envolviam a vida comunitária, mostrando logo sua vocação política. O governo francês estava precisando de um indivíduo popular e simpático às pretenções francesas, e Trajano era tudo isso. Não demorou muito estava ele liderando quase toda a extensão das ribanceiras do Counani, contestando abertamente a autoridade brasileira que governava a vila do Espírito Santo do Amapá e lugares próximos. Recebeu de Caiena o título de Representant dês Intérets Français à Counani e aí é que se encheu de dedos.
Em 23 de outubro de 1886 (ou segundo Coudreau, em agosto), o então capitão de Counani, Trajano Benitez proclamou: “Eu Trajano, capitão chefe do rio Counani, Chefe da Capitania da Guiana Independente, em nome e delegado pelos principais negociantes e pela maioria dos habitantes declaro o que segue: 1) Organizar no nosso País um governo que será República e reconhecido depois pelas duas potencias, a França e o Brasil. 2) O governo em questão já tendo sido declarado e proclamado em mais de 10 reuniões públicas as quais assistiu o Sr. Jean-Férreol Guigues, explorador. Segue-se que queremos: A) nos reger pelas leis francesas, quer dizer que adotamos o código francês como legislação de nosso país. B) que a língua francesa seja a língua governamental. C)... nosso presidente, o Dr. Jules Gros... Nossa república tenha sido declarada... pedimos a proteção dos Estados vizinhos. Viva a França. Viva a República da Guiana Independente...”.
O governo francês, ante o escândalo que representava tal façanha, em 2 de setembro de 1887 resolveu acabar com ela. A República do Counani era tão caricata, tão de brincadeira, que a maioria dos ministros nomeados por Jules Gross não arredou os pés de Paris, até por causa do pavor irradiado por algumas paragens sul-americanas, como a nossa. Portanto, não foi difícil desestabilizá-la.
(continua)