domingo, 30 de dezembro de 2012

A enxurrada de moedas de cobre no tempo de Dom Pedro I

Paulo Avelino

Nenhuma moeda é inocente. Moedas são objetos fruto de uma sociedade, das relações sociais dessa sociedade, dos seus constrangimentos ecológicos e políticos. Moedas revelam.

Leio a dissertação de Mestrado do professor Alexander Trettin. O autor a defendeu recentemente, em 2010, na Universidade Federal da Bahia. Chama-se O Derrame de Moedas Falsas de Cobre na Bahia (1823-29)[i]. Esse trabalho me ajudou a entender algumas moedas de cobre do Primeiro Reinado de minha coleção.

A primeira moeda é de 20 réis, de 1827, cuja letra “R” depois da data (“letra monetária”) prova que a Casa da Moeda do Rio de Janeiro a cunhou; a segunda é de 40 réis, de 1826, com a mesma letra; a terceira, 80 réis, de 1828, idem. A quarta, de 40 réis, de 1830, coloquei-a porque é a única cunhada na Casa da Moeda da Bahia (a letra “B” o indica).

Como os livros de história para crianças sempre dizem, entre os méritos de Dom João VI esteve a fundação do Banco do Brasil. O que eles não dizem é que esse Banco emitia papel-moeda com lastro em ouro ou prata, ou seja, o proprietário da cédula poderia receber esse metal no Banco. Nem dizem que quando Dom João VI e sua turma voltaram para Portugal em 26 de fevereiro de 1821, eles raparam os cofres do Banco de todo metal que ali havia. E ainda ficaram cédulas circulando pelo país, sem ouro ou prata que a lastreassem. Quando essa situação ficou conhecida, o valor das cédulas despencou.

Havia os gastos do aparato burocrático criado por Dom João no Rio, e a arrecadação das províncias não chegava aos cofres do governo do Príncipe. Mas havia pior ainda.

Dom João VI assinara acordos com a Inglaterra pelos quais limitara a cobrança de imposto de importação a 15%[ii]. Aos poucos essa porcentagem se foi generalizando a todos os outros países. Em um país pobre, a fonte maior e quase única de impostos é o imposto de importação. É um imposto barato. Os portos são poucos. Bastam alguns funcionários e uma guarda militar em cada porto e pronto. Não precisa do pesadíssimo aparato exigido por um imposto de renda, por exemplo.

Claro, também há o imposto de exportação. Mas taxar a exportação significa encarecê-la – e todo país quer exportar. Assim, o imposto por excelência era o de importação. Este estava amarrado por um tratado com a Inglaterra, e descumprir tratados com a Inglaterra, na época, significava pedir um bombardeio naval.
Restava uma saída: emitir dinheiro, e o príncipe fez isso. O estudo de Trettin mostra que o estoque de papel-moeda (cédulas) dobrou em apenas quatro anos, entre 1823 e 1827.

Mas o que está ruim sempre pode ficar pior. O governo de Dom Pedro estava fazendo um esforço para se reequilibrar. Em 1826 conseguiu resgatar (trocar por metal) uma parte do papel-moeda em circulação. Até que nesse ano aconteceu outro desastre – a província mais ao sul do Império se revoltou, ajudada pela Argentina. Era a chamada guerra da Cisplatina.

Com os gastos da guerra qualquer pretensão de economizar foi para o espaço. Sem ouro nem prata, sem poder aumentar impostos, pressionado pela guerra, com o papel-moeda com valor em queda livre, Dom Pedro I só tinha uma saída: cunhar mais e mais moedas de cobre. Os catálogos de moedas o confirmam. Em 1826 a Casa da Moeda do Rio cunhou quinhentas mil moedas de 80 réis. No ano seguinte, cunhou seis milhões. No outro ano, cunhou vinte e seis milhões. A minha moeda de 80 réis é uma dessas 26 milhões[iii] dessa explosão das moedinhas que impediram a falência do jovem país.

Claro que não sem custo. Isso levou a uma inflação galopante que, em termos numismáticos, forçou uma renovação do meio circulante do país na década seguinte e, em termos políticos, foi muito pior. Celso Furtado lembra que a inflação pouco atingia os proprietários de terras, pois suas necessidades eram em grande parte supridas pelo trabalho gratuito dos escravos. A inflação atingia o pessoalzinho das cidades – funcionários, militares, sapateiros. Revoltados, confundiam as causas. Para eles, os culpados eram os comerciantes a varejo, quase todos portugueses. Daí uma série de revoltas que houve contra os portugueses (“marinheiros”) considerados exploradores do povo. Como exemplo, em uma dessas revoltas, a Rusga de Cuiabá, portugueses foram massacrados na noite de 30 de maio de 1834.

E as moedinhas que fizeram parte de todo esses drama ainda estão por aí, em coleções. Moedas falam. E tornam as coleções mais interessantes.

[Este artigo pode ser copiado em meio eletrônico ou impresso, desde que sem finalidades econômicas e desde que citada a fonte].



[i] Trettin, Alexander. O Derrame de Moedas Falsas de Cobre na Bahia. Disponível em <http://www.ppgh.ufba.br/IMG/pdf/TRETTIN_ALEXANDER_DMFCB.pdf>. Acesso em 30 dez. 2012.
[ii] FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro). 276p. p101.
[iii] AMATO, Cláudio, et alii. Livro das Moedas do Brasil: 1643 até 2012. 13ª ed. São Paulo: ed. dos autores, 2012.432p. p285.

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